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Reflexões sobre o cinema alternativo

Gummo

“Xenia, Ohio.
Há alguns anos, por aqui passou um tornado.
Matou muita gente. Cães morreram. Gatos morreram.
Casas foram arrancadas e vários objetos ficaram pendurados nas árvores.
Oliver encontrou uma perna no seu telhado. Vi uma garota voar pelos ares.
Eu achava isso engraçado.”

Ao longo das décadas, o cinema passou por consideráveis transformações não só dentro da forma como se executa os trabalhos de produção ou distribuição, ou das temáticas – frente às inúmeras revoluções políticas e sociais no mundo, – mas também (e primordialmente) em sua estética. Do cinema de espetáculo à montagem paralela, do construtivismo ao clássico hollywoodiano, do moderno italiano e francês ao cinema novo brasileiro, alemão e estadunidense, do Dogma 95 ao pós-modernismo, em cada filme vemos estruturas narrativas, visuais e com pontos de vistas inovadores e distintos. O cinema muda, em cada país e em cada época, é inevitável, embora o cinema comercial esteja desgastado por manter sua forma por décadas (ou esteja simplificando-se cada vez mais). É impossível conceber o estilo de montagem de Eisenstein dentro de um Noir americano. O cinema ainda há de se transformar muito, assim como todas as demais artes, e talvez o que conhecemos hoje como cinema não exista amanhã.

Há um forte criticismo em cima de Gummo, filme dirigido por Harmony Korine (roteirista de KIDS, diretor de Mister Lonely) pela quase total ausência de um plot ou de uma trama com introdução, desenvolvimento e resolução. De fato, é um filme difícil de agradar mesmo aqueles que tem a mente mais aberta. Contado com inúmeros episódios (a primeira vista desconexos), com personagens heteróclitas e com a qualidade técnica abaixo dos parâmetros habituais, o filme do jovem Korine não agradou nem grande nem média plateia. Entretanto, dizer que Gummo não se cumpre como filme na hora de estabelecer uma narrativa é um tanto questionável.

Embora não possua uma linearidade explícita, Gummo é eficiente ao contar uma história, de uma forma inovadora e pouco explorada (O cinema muda, e continuará mudando enquanto existir). Korine, ao executar seu filme, tem absoluta ciência do que está fazendo com a câmera: Ele potencializa o som e a imagem como elementos narrativos sem se preocupar com a capitulação dos eventos do filme e faz da câmera quase um objeto documental, num estilo que aproxima-se de um cinema vérité. Ele não está escrevendo um livro, ele está trabalhando com uma linguagem audiovisual.

O filme gira em torno de diversas histórias dos moradores de uma cidade em Ohio, que foi atingida por um furacão. Duas figuras de destaque são os garotos Tummler e Solomon, que andam de bicicleta pela cidade e ganham dinheiro matando gatos que viram carne moída em uma mercearia local. Solomon assume por diversas vezes o ponto de vista do filme, discutindo com o espectador sobre os vizinhos, sua própria vida ou algumas filosofias inocentes, como “A vida é  bela, realmente é. Sem ela, estaríamos mortos”. Outro personagem interessante que passeia entre as cenas é um garoto com orelhas de coelho. Ele não troca uma palavra durante todo o filme, mas interage em diversas sequencias. Numa das cenas mais ácidas do filme, o garoto coelho chega a um ferro velho de skate, onde brincam dois garotos vestidos de xerifes. Com suas fantasias típicas estadunidenses, eles inventam para si posturas arrogantes e machistas, enquanto xingam o coelho e gritam que ele fede, a despeito deles próprios: sujos, no meio do lixo e suados. O sujo aqui, na brincadeira, é o estranho, aquele que está aquém da ordem social tradicionalista. Enquanto os garotos brincam de serem americanos, eles assumem a postura de uma sociedade conservadora e brutalmente preconceituosa.

Quando Korine fala do furacão, ele não carrega em seu diálogo um tom de desastre natural. O que ele quer falar aqui é sobre como a sociedade saiu da ordem, como as coisas estão bagunçadas, de pernas para o ar. Os personagens, pessoas sem destino algum, sem nenhuma perspectiva de tornarem-se o “bom cidadão americano” fazem o espectador olhar para si e refletir sobre o meio em que vive. Em outra instância, um dos personagens, potencialmente suicida, questiona: “Qual é o dever de um homem?”. Isso é, para que nascemos, o que é que temos que fazer e por que tudo isso valeria a pena?

Noutra cena, o diretor comprova sua competência em trabalhar a força das imagens a favor do cinema: Solomon toma banho em uma banheira, já com a a água imunda. Sua mãe lhe traz o almoço em uma bandeja. O garoto come um pouco do espaguete e em seguida limpa a boca, como se fizesse alguma diferença. Nas paredes, uma porção de bonecas barbies estão penduradas de um lado e do outro, tiras de bacon estão presos em durex. Esses elementos, inclusive, criam uma ponte com o cenário visto dentro das casas dos personagens: Montes e montes de objetos empilhados, fechando as paredes – Uma dualidade: Além de ilustrar a “bagunça do mundo”, pode ser, inclusive, uma possível crítica ao consumismo desenfreado.

Aos olhos do espectador atento, Gummo é um prato cheio de filosofia junkie (e concisa) com os olhos de um jovem diretor sobre como ele vê a sociedade ao seu redor. O aclamado diretor alemão Werner Herzog chamou Korine de gênio, quando assistiu o filme. Com cenas brutais, sentimentais e divertidas, Gummo é sem dúvidas uma dos melhores pedaços que o cinema contemporâneo ofereceu nas últimas duas décadas. Absolutamente recomendado para quem quer algo novo.

5 comentários em “Gummo

  1. Lucas Adonai
    jul 2012

    já assisti e recomendo!

    • vitória nahum
      set 2013

      onde vc viu ele ?
      preciso ver mas não acho o site :c
      me add no face , Vitória nahum
      e me fale pfvr

      • alessandro
        out 2013

        vai no filmesonlinetocadoscinefilosvideos, tem o filme online

      • amandita
        dez 2013

        Tinha o filme no youtube um tempo desses, não sei se removeram. Qualquer coisa tem deve ter no kickass torrent

  2. amandita
    fev 2013

    O pessoal acusa o Korine de ser um diretor que apela para estereótipos e tenta chocar usando personagens com deficiencia mental (como fez em Julien Donkey Boy), mesmo assim eu curto muito os filmes dele, tem algo de muito atual, não só com a realidade niilista que vivemos atualmente nesse mundo plural e louco, mas com o nosso íntimo e aquilo que tentamos reprimir dentro da nossa sociedade. O white trash americano é um bom exemplo disso e utlizar eles como objeto para esse discurso deu um resultado incrível.

    Mas enfim enrolei demais uaeheuahuae parabéns pelo site.

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